sexta-feira, 31 de julho de 2015

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo VIII

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes

Angelita convalescia lenta, penosamente. Profundo desapontamento anuviava o coração do jovem casal. Um mês após a operação, declarara o médico assistente, consternado, que a cliente se tornara inválida, não lhe sendo facultada a possibilidade, nunca mais, de se levantar do leito para caminhar ou sequer sentar-se! 
Certo acidente muito grave, ocorrido durante a indecisão em chamar-se o médico para se decidir a operação, causara o desastre, tornando Angelita criatura semimorta em plena florescência das suas dezenove primaveras! Desolado, Alípio encobrira da esposa a consternadora verdade, alimentando, piedosamente, naquele coração amante e ainda repleto de doces ilusões, a fictícia esperança de um restabelecimento, no intuito de reanimá-lo, enquanto o seu próprio coração sangrava na desventura dos sonhos malogrados para uma feliz vida conjugal. 
Nos primeiros meses que se seguiram, cercou-a ele de todos os desvelos que um sentimento terno, acometido de compaixão, poderia inspirar, passando tardes inteiras à sua cabeceira e reservando-lhe os domingos inteiramente, numa assistência integral, edificante. 
Pouco a pouco, porém, o irremediável estado de coisas impôs-se, cansando o ardoroso Alípio, cansando a senhora Matilde, mãe de Angelita, a qual, retornando ao próprio domicílio, abandonara a filha ao cuidado de serviçais, pretextando urgência de se reintegrar nos afazeres próprios, ao passo que o genro já se desinteressava dos serões da tarde, afastando-se do lar igualmente aos domingos, para o almoço com amigos, regressando, destarte, ao antigo estado de solteiro. 
E Angelita, então, passou a se reconhecer esquecida pelo marido, o qual, ao sair, apressado sempre, beijava-a distraidamente ou mesmo deixava de o fazer; reconheceu-se esquecida pela mãe, que, irritada, ao visitá-la, de quando em vez, blasfemava em sua presença, sugerindo que o Criador teria agido melhor, levando-a por ocasião do parto... 
E a infeliz, então, tudo observando sob o cáustico de um lento e silencioso martírio, inteirou-se finalmente da verdadeira situação a que ficara reduzida. Mas, calava-se diante das impiedosas argumentações maternas e jamais irritava o esposo com quaisquer queixumes ou reclamações, preferindo chorar às ocultas, discreta e altiva ao sentir-se traste incômodo a quem toda a família desejaria ver baixar à sepultura. 
Então, quando todas as desilusões se sobrepuseram às suas esperanças, ameaçando desesperá-la, avolumou-se em seu destino a dedicação ilimitada de um anjo bom travestido na pessoa de uma amiga leal, cuja alma de crente se prestou, fácil e dignamente, à intervenção oculta da Espiritualidade para socorrê-la no seu estranho calvário. 
Essa alma, favorecida pelas dúlcidas inspirações do Alto, graças aos dons de bondade que sabia cultivar, foi Sarita, a jovem viúva a quem entrevimos no início desta história. 
E, assim, grandioso panorama de caridade moral, a mais completa, a mais espinhosa a ser realizada, em vista dos complexos que se lhe antepõem às inspirações, começou a se desenrolar sob o teto daquele lar, tornado em túmulo prematuro de um espírito que delinqüira em diferentes etapas reencarnatórias. 
Compreendendo a amiga inválida, sem esperanças de jamais se restabelecer, Sarita tratou de suavizar a decoração do presídio em que se transformara a câmara conjugal do jovem casal. Transformou-a em formosa e pitoresca sala, onde o leito seria o trono e Angelita a soberana. Ornou-a de belos tapetes, de quadros e de flores, para lá transportando igualmente o piano da jovem. 
Ali mesmo promovia, aos domingos, com suas alunas e amigas, delicados recitais de declamação, no intuito de distrair a enferma, e atraiu visitas frequentes, que alegravam a pobre moça com palestras edificantes, porque escolhidas e sérias. Ela própria, apesar da escola e dos cinco filhos que dirigia, visitava a doente pela manhã e à noite, até à hora do chá, quando então a acomodava para adormecer. E tais visitas, cuja dedicação repercutiu em Além-Túmulo com as maviosas ressonâncias da sublimação do amor fraterno, retratando a beneficência num dos seus matizes mais brilhantes, tiveram um curso regular, diário, ininterrupto, de onze longos anos, período em que se manteve a enferma no leito, sem que jamais Sarita negligenciasse nas suas atenções à amiga. Felizmente para ambas, a bondosa viúva, portadora de excelente saúde, jamais adoecia seriamente. 
Os pequenos resfriados e indisposições, que porventura a assaltassem ocasionalmente, nunca foram pretextos para que deixasse de cumprir o seu devotamento junto da inválida, cuja residência, por felicidade, distava poucos passos da sua. Fez mais a amável criatura: — colocou nas mãos da enferma, que apenas se poderia recostar entre almofadas, a confecção de bordados e crochês, de rendas e flores, e pequenas costuras. 
Animou-a a ensinar as primeiras lições do silabário e os primeiros trabalhos manuais a pobres crianças que não teriam ensejo de algo aprender se não fora a boa vontade dos corações bem formados, e a câmara, assim sendo, foi transformada em escola, fato que constituiu sublime encantamento para Angelita, que admirava as crianças. 
E coroando todo esse programa de beneficência, ela própria, Sarita, lecionava à amiga a idéia de Deus, a existência e a imortalidade da alma humana, a consoladora esperança de uma vida após a morte, plena de justiça e recompensas para aquele que, à frente de irremediáveis dilacerações morais durante a vida hodierna, a elas souber resignar-se ao mesmo tempo que delas faça a escalada evolutiva para Deus. 
Ensinou-a a orar, orando ela mesma, diariamente, em sua companhia. E, atraindo para o recinto, como de justiça, com tais atitudes, os adamantinos eflúvios da Espiritualidade, reconhecia que Angelita se beneficiava, porquanto suas revoltas e blasfêmias diminuíam sensivelmente. 
O Trabalho, bendito elemento de redenção, desenvolvido tão singela quanto eficientemente, em torno de crianças de condições humildes, despertou na doente o sentimento de fraterno interesse pelos semelhantes. A meditação em torno da alma humana levou-a a identificar-se com os ideais religiosos. E a resignação, sublime amparo do desgraçado, envolveu sua personalidade, encorajando-a e dignificando-a em pleno testemunho de dores acerbas. 
Ao demais, Sarita promovia chás e convidava amigas, reservando-se ainda para acompanhá-la ao almoço dos domingos, na ausência de Alípio, que se desinteressara completamente do lar. Confeccionava-lhe caprichosos vestidos e blusas modernas, adornando-a e perfumando-a sempre com subido carinho. Lia-lhe interessantes romances e contos atraentes, os quais eram motivos de agradáveis debates entre ambas. 
Deu-lhe a conhecer, sutilmente, a literatura evangélica... e um curso de cristianização seguiu-se na doçura daquela câmara para onde se dirigiam as visitas misericordiosas dos Céus. Lia para a amiga as mais belas e comoventes passagens do Novo Testamento, como a vida dos primeiros cristãos. Comentava parábolas, curas, feitos, conversões, ensinamentos de Jesus ao povo, analisando as consequências sociais daí derivadas, apresentando-lhe Jesus tal como realmente o vemos apresentado nos Evangelhos — ativo, sociável, prático, amigo do povo sofredor, pronto sempre a remover dificuldades, a aliviar sofrimentos alheios, a ensinar e esclarecer, construindo no coração humano a moral imarcescível de que resultará a própria evolução social do planeta. Livros educativos, então muito em uso à cabeceira dos pensadores e estudiosos inclinados ao ideal de perfeição humana, como o eram os de Samuel Smiles, de José Ingenieros; a “Imitação de Cristo”, que outrora tantas lágrimas enxugou nos corações oprimidos, na solidão de câmaras tristes, eram apresentados à inválida pela capacidade moral de Sarita. 
E era belo, então, vê-las entretendo-se em análises e debates em torno de tão nobres assuntos, meditando sobre os formosos conceitos e as exposições edificantes encontradas em suas páginas. E porque fosse Sarita alma cândida, revestida de boa vontade, um médium de intuições, embora o ignorasse, os instrutores espirituais acorriam coadjuvando-lhe os esforços a favor da ovelha necessitada de socorro. E, assim sendo, a inspiração brotava de sua alma momentaneamente revigorada pelas forças benfazejas do Invisível, e lições fecundas e revivificadoras eram para ali veiculadas através do canal piedoso do seu coração angelical.
Esse paciente, admirável trabalho de consolação e reedificação moral de uma criatura enferma psíquica e fisicamente, conforme asseveramos, levou não menos de onze anos, incansáveis e eficientes, ao qual nem mesmo festejos de natalícios faltaram, sendo as datas gradas do aniversário de Angelita, de Alípio e da própria Sarita comemoradas com satisfação. E pelo Natal de Jesus havia distribuição de dádivas à criançada. Brinquedos, roupinhas, sapatinhos e guloseimas gostosas eram oferecidos a determinado número de pequerruchos e a suas mamães, os quais recebiam das próprias mãos da doente as recordações gentis do dia do Senhor, pois Sarita, que isso tudo preparara cautelosamente durante o ano todo, por essa época transmudava, ainda uma vez, o aposento da amiga em gracioso arsenal de preciosidades infantis, para que- o sorriso aflorasse nos tristes lábios da enferma ao constatar a alegria e a sofreguidão da criançada ao tomar de suas mãos — bonecas e palhaços, carrocinhas e cavalos, fogõezinhos e cartuchos de doces, camisinhas e lindas fitas. 

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo VII

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes


De início, o casal de esposos, a quem chamaremos Rosa e Bernardino, sentiu escrúpulos em conviver com um escravo que trazia a lúgubre fama de criminoso inveterado. Mas, Fernando intercedeu por ele e, sob o bom trato do seu novo amo e daqueles amigos, Caetano tornara-se tão dócil e fiel que bem depressa mereceu a confiança de todos. 

Rosa, particularmente, condoía-se dele e tratava-o bondosamente. Estabelecidos em Minas Gerais, a vida de Bernardino e de Fernando prosseguia entre viagens através da Colônia ou a dentro das matas, à caça de pedrarias, de ouro, de riquezas variadas, com temporadas muito suspeitosas em Vila Rica, onde residiam e eram considerados espiões pelos brasileiros, que os temiam e se afastavam deles. Não obstante, passados três anos, já havendo explodido o trágico malogro da Conjuração Mineira e presos os seus coparticipantes, Bernardino, como funcionário da Coroa que se dizia, não obstante a licença que proclamava fruir, vira-se obrigado a visitar Lisboa, chamado a missões — explicava — tão importantes que lhe não seria permitido expô-las a quem quer que fosse, nem mesmo a sua mulher, e, como possuía já avultados interesses na famosa Província e tencionasse regressar dentro de pequeno prazo, ficara deliberado que Rosa — mulher ativa e experiente — ficaria à frente dos negócios, enquanto Fernando, amigo da casa como verdadeiro irmão, zelaria pelos mesmos, auxiliando a mulher com o seu tino experimentado, sempre que voltasse à Vila, retornando das singulares viagens com o escravo Caetano. 

Ora, para um caráter invigilante e frívolo, que não associa ao próprio respeito pessoal o respeito devido a Deus, à família e à sociedade, as oportunidades para a prática do mal, ou seja, as tentações mundanas se apresentam a todos os momentos, sob qualquer pretexto.

Rosa e Fernando, que até ali se haviam respeitado como bons amigos e irmãos, equilibrados no cumprimento do dever, pouco a pouco, animados pela ausência de Bernardino e por uma convivência assídua, deixaram-se conduzir ao sabor das paixões e sucumbiram a um delito grave de adultério, de traição aos deveres da honra pessoal e da respeitabilidade a Deus e às leis do Matrimônio.

Bem cedo, como seria de esperar, fez-se sentir o fruto dessa união pecaminosa.

Rosa tornou-se mãe na ausência do esposo e a situação alarmante desvairou o senso já abalado dos amantes culpados, pois esgotara-se o prazo para o regresso de Bernardino, que era esperado dentro em pouco.

E o crime foi cometido então, no próprio dia do nascimento da criança, sob o consentimento aterrorizado de Rosa, que temia a vingança do marido, e a resolução de Fernando, com a mesma perícia e desenvoltura com que nos dias atuais são praticados os infanticídios modernos, quando mães apavoradas ante o próprio erro, ou alguém por elas, preferem mais enegrecer a consciência, assassinando um ser indefeso que necessitaria reviver para Deus, através de uma encarnação, a assumir heroicamente a responsabilidade dos próprios atos, curvando-se às consequências dos desvairamentos cometidos, consequências que, por muito rígidas, comumente, poderiam realizar a reabilitação da pecadora perante si mesma e a sociedade e até perante Deus!

Era pouco mais das onze horas da noite.

Vagidos comoventes de recém-nascido ecoaram pela casa solitária, chácara vetusta dos arredores de Vila Rica. Fernando toma dos braços da escrava assistente o entezinho vigorosamente envolvido em panos, a fim de que seus lamentos fossem abafados... e esta conversação efetivou-se no extremo da grande chácara, à beira de um charco, entre o ex-oficial de bordo e seu escravo preferido, tornado cúmplice de suas aventuras pelo interior da grande Colônia:

— Que farei do nenê, Nhonhô?...

— Bem, Caetano... Eu não sei... Oferece-o a alguém, por aí... Será necessário que desapareça quanto antes, para se evitarem males maiores... Tu sabes...

Bernardino não está... Foi uma massada, foi... Enjeitá-lo à porta da igreja será perigoso... Serias reconhecido... As igrejas limitam com residências... Tudo se descobriria, o escândalo estrugiria e viria até mesmo a forca... Tu sabes, não sabes, Caetano .... Entendes o teu bom Senhor, que pela segunda vez quer te livrar da forca?

— Eh! Ah!... Entendo sim, meu bom “Sinhô”... Entendo sim, “Sinhô”...

— Então... Será bom que ninguém desconfie... senão será a forca para nós todos... A Vila é pequena, poderiam falar... ao passo que aqui, nesta chácara solitária... No fundo deste charco, quem poderia mergulhar para descobrir ?...

Entendes, Caetano ?...

— Entendo sim, Nhonhô, como não?...

Caetano assassinou friamente a criança recém-nascida, para satisfazer ao amo.

Mas receoso de que, enterrando-a, os porcos ambulantes, ou alguma plantação posterior nos terrenos da chácara, pudessem descobrir o pequeno cadáver, resolveu esquartejá-lo cuidadosamente, com sua faca de caça, com a qual já assassinara mais duas infelizes criaturas, durante as viagens com seu Senhor e por ordem deste; depois do que, envolvendo os pequeninos despojos numa cobertura de lã, amarrou o singular volume a uma grande pedra e atirou-o ao fundo lodoso do pântano, para o repasto das asquerosas feras aquáticas.

No espaço longínquo as estrelas cintilavam lindas e tranquilas, como desejando ocultar da Razão de todas as coisas o abominável ato contrário à harmonia das leis eternas, ato cujas repercussões se estenderiam sobre os criminosos como garras de inflexível monstro, que cobrariam o insulto aberrante contra a Natureza — imagem do Criador sobre a Terra...


Penalizado, ouvindo a exposição do mentor espiritual de Angelita, fácil fora às minhas conclusões compreender o que se havia seguido no destino daquelas três infelizes criaturas. Ali se encontravam elas, à minha frente, mui fortemente atadas umas às outras pelas repercussões conscienciais de um grande crime, para que dúvidas me pudessem advir sobre o que o futuro ainda lhes reservaria. 

Estudemos, porém, com o leitor atento, o enleamento do adultério e do infanticídio praticados em Vila Rica ao tempo dos Inconfidentes, nas suas consequências remotas, a fim de que o mesmo leitor, compreendendo as leis que regem os destinos da Humanidade, possa esclarecer os leigos quanto à severidade e justiça das mesmas leis, em lições prudentes e racionais aplicadas no convívio diário, lições que muito poderão contribuir para a educação das almas frágeis que ainda não puderam ou não souberam compreender que os mundos e suas Humanidades são regidos por uma justiça inflexível, que, a bem do próprio delinquente, dele exigirá atos condizentes com a harmonia da Criação, jamais sancionando desvios das rotas traçadas pela Legislação Suprema.

Olhei penalizado: ali estava Rosa, a esposa delinquente, revivida na personalidade da formosa e sofredora Angelita. Ali estava Fernando Guimarães, o amigo infiel e sedutor soez, o pai desalmado, ressurgido no belo varão Alípio, a quem eu vira chorar a noite toda sobre o drama do nascimento do seu primogênito.

E ali também estava Caetano, o antigo escravo, perverso e dissimulado, que, ligado a ambos por laços poderosos do passado, à sombra dos seus espíritos se homiziara, renascendo como filho primogênito, sacrificado pela Ciência, à frente de um parto em que acidentes imprevistos exigiram de um cirurgião ginecologista a necessidade extrema de um esquartejamento em condições dolorosas, para que seu nascimento, tornado impossível por vias normais, não causasse a morte àquela que durante nove meses o trouxera preso ao próprio seio! Como Espírito, Caetano, ligado a Angelita igualmente pelas poderosas cadeias magnéticas que estabelecem o período da gestação do feto até o momento do nascimento, cadeias que se prolongam durante toda uma existência, porque, incontestavelmente, um filho estará ligado a sua mãe por indefiníveis atilhos psíquico-físicos, até mesmo, muitas vezes, pelo Além-Túmulo a fora; Caetano, culpado muitas vezes, sofria ainda os reflexos da brutal operação que sua mãe padecera no instante de dá-lo ao mundo. 

Súbitos estremecimentos sacudiam-no. E, apavorado, como presa de cruel pesadelo consciencial, sua mente se aterrorizava ao sentir despedaçado aquele corpo que, em parte, ocupara, confusamente supondo haver-se tornado, por magias incompreensíveis, no mísero recém-nascido de Vila Rica, o qual ele mesmo estrangulara e esquartejara para melhor encobri-lo a um esposo ultrajado em sua dignidade matrimonial. Acheguei-me ao infeliz, procurando-o no domicílio já visitado.

Conjurei-o a despertar para Deus através de uma prece, a qual tentei ensiná-lo a extrair do coração. Disse-lhe da bondade paternal do Criador, cujas leis, estabelecendo uma inflexível justiça na punição do erro, também estabelecem o misericordioso ensejo para a reabilitação da alma culpada, e concitei-o a uma experiência de meditação para o arrependimento, a fim de que se conseguisse elevar das próprias misérias vislumbrando um caminho a perlustrar dentro da harmonia da legislação divina. 

Mas Caetano foi surdo aos meus convites para essas tentativas, talvez pela sua grande ignorância, sem a boa vontade para o progresso, ou talvez ainda padecendo a revolta das amarguras havidas durante a escravatura.

Fugiu, pois, espavorido, perseguido por visões e terrores inauditos, para retornar mais tarde ao mesmo cenário de onde se abalara, isto é, à residência de Alípio e Angelita, e ali se postando junto daquele a quem continuava considerando Senhor e amo... E confabulei comigo mesmo, contemplando esse drama singular, cuja destinação através das linhas do futuro facilmente se delineou às minhas premonições:

— Bem sei, Deus meu, que, para casos como estes somente haverá a dor da expiação e dos resgates terrenos, para devidamente lavar do opróbrio a alma naufragada nos próprios deslizes! Todavia, ouso suplicar que a Tua Paternal misericórdia dulcifique um tanto mais as arestas da jornada reparadora que estes três infelizes irmãos meus para si mesmos traçaram, no dia em que se transviaram dos bons caminhos apontados pela tua justiça!

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo VI

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes



Pouco antes do drama em que se envolveram vários brasileiros natos ilustres, desejosos da libertação do seu país da legislatura portuguesa, época fértil em acontecimentos trágicos e mui delicados, que ficaram olvidados pelos homens porque o Brasil de então não mereceria acato da Metrópole de além-mar para que o sofrimento do seu povo fosse devidamente consignado na História, — ou seja, pelas proximidades da época em que se verificou a conjuração denominada “Inconfidência Mineira”, na então Província das Minas Gerais — chegara de Portugal, com destino a esta localidade da grande Colônia, um alto funcionário da Coroa Portuguesa, dizendo- se licenciado para estudos e aventuras pelo interior de Minas, acompanhado da esposa, que, ávida de emoções e conhecimentos novos, se negara a continuar no seu velho casarão de Lisboa, sozinha e entristecida, enquanto o marido corresse terras e mares estranhos. Por essa época, não seria conselhável a uma dama bem nascida aventurar-se a viagens tão longas e arriscadas. 

Proibia-o o preconceito social, seria desdouro imperdoável, mesmo para uma esposa, abandonar-se a peripécias em terras desconhecidas, e a própria lei não concederia licença para tal fim, a não ser que motivos muito significativos justificassem o feito. Não o entendeu assim, porém, a esposa, muito jovem ainda, do funcionário licenciado, pois que, não conseguindo das autoridades permissão para acompanhar o próprio marido nas suas aventuras pelas intempéries da grande Colônia do Brasil, infiltrou-se sutilmente na marinhagem do veleiro que faria a travessia do Oceano e, já em alto mar, apresentou-se ao estupefato esposo disfarçada em vestes masculinas, protegida que fora por um oficial de bordo, amigo da família, aportando no Rio de Janeiro quatro meses depois sem maiores empecilhos, já que sua beleza e sua juventude, aliadas à esperteza de que usara, cativaram igualmente o comandante da nau transoceânica.

O oficial amigo, no entanto, cujo nome seria Fernando Guimarães, afirmando-se investido de certa missão secreta no Brasil, conferida por seus superiores, desligou-se da profissão e cedeu ao convite afetuoso do casal de esposos, para que viesse em sua companhia como se membro da família fora, uma vez que igualmente pretendia dirigir-se à importante Província, cujo Governador seria então o senhor Visconde de Barbacena.

A aventura sempre foi o traço primordial do caráter lusitano... e seguiram então os três amigos em busca da realidade de um Eldorado cuja fama seduzia os europeus.

Adquirira o casal, então, duas escravas negras para os serviços caseiros, e Fernando, agora integrado na família como irmão assaz querido, entendeu necessária também a posse de um escravo do sexo masculino, que se prestasse aos serviços externos, o trato de animais inclusive. Colocou, portanto, anúncios pelas tabernas e casas de negócios, nos dias de espera passados no Rio de Janeiro, servindo-se de pequenos cartazes dizendo da urgência na compra de um escravo resoluto e valente, para servir em viagens pelo interior da Colônia, que bem manejasse a foice e o facão de caça e que se encorajasse à caçada às feras através dos matagais, pois desejava Fernando, que já caçara na África, aproveitar ensejos para negociar com peles, a fim de disfarçar a missão trazida da Metrópole, dizia consigo próprio, esperando mesmo obter alguns exemplares das famosas onças brasileiras para transformá-las em luxuosos tapetes, que venderia no Reino a bons preços.

Bem cedo conseguiu o de que precisava. Chegara aos seus ouvidos que certo fazendeiro dos limites que hoje se transformaram no aprazível arrabalde da Tijuca, no Rio de Janeiro, entregara às autoridades um escravo rebelde, a fim de que fosse julgado e quiçá condenado a morte, O infeliz negro via-se acusado, de todos os lados, pelo crime de homicídio nas pessoas de nada menos de três capatazes da dita Fazenda e de um negrinho de quinze anos de idade, também escravo, que aparecera afogado nas águas de um riacho próximo. 

Não obstante, o réu negava veementemente a autoria dos crimes, e, porque não existissem testemunhas, as autoridades, indecisas, apelaram para o “juízo da Igreja”, ou o “juízo de Deus”, nas pessoas do Clero oficial da capital da Colônia, e estas, muito prudente e justiceiramente, deliberaram mantê-lo preso até ver se se resolveria a confessar o delito, ou se porventura alguém, por ele se responsabilizando, o levaria sob um processo de compra legal, visto seu antigo Senhor não querer mais admiti-lo em seus domínios e as autoridades se quedarem indecisas em condená-lo sem provas suficientes, e também em deixá-lo em liberdade diante de tão sérias acusações.

Apresentou-se, então, Fernando Guimarães no local indicado, a examinar a “mercadoria” à venda e as condições da compra. Homem de caráter aventureiro, habituado à intrepidez do comando de marinheiros e a brigas marítimas com piratas, constatou que lhe convinha a aquisição, e, sentimental a despeito de tudo, como todo verdadeiro português, sentiu-se compadecido ao verificar o escravo algemado de pés e mãos e que, por seu corpo, pronunciadas cicatrizes, produzidas por chicotes, assinalavam os maus tratos recebidos de seus senhores.

— Como te chamas, amigo .... — interrogou ele, com bonomia, à “mercadoria” já adquirida, cujo preço fora irrisório, dadas as desvantagens que a mesma oferecia ao comprador.

— É... é... Caetano do Espírito Santo, Nhonhô, para seu serviço...

A humildade entrevista nesta frase simples, proferida com um misto de timidez e espanto por se ver bondosamente tratado, talvez pela primeira vez, comoveu ainda mais o rude marinheiro, que continuou no seu original inquérito:

—Queres vir comigo, servir-me lealmente, comer bem, não receber castigos, seguir-me em minhas viagens e caçadas?...
O infeliz caiu de joelhos, procurando beijar as mãos daquele que aparecera em sua vida como benfeitor que o salvava da morte, e respondeu:

—Nhonhô, serei fiel escravo... Livrai-me da morte... Tenho medo da forca... Tenho medo... (31) Pelo caminho, demandando a hospedaria que ocupava com os amigos, Fernando interrogou Caetano, em tom afável:

—Porque mataste os três capatazes?... Dize-me a verdade... Sou teu amigo...

Não te entregarei à Polícia... Mas preciso conhecer-te bem, ainda que sejas criminoso, para poder confiar em ti.

A resposta foi veemente e fácil:

—Nhonhô, matei só um capataz... Os outros dois não fui eu... Foram “Pai Nastácio” e o “Totonho da Porteira”.

— Porque o mataste?...

—Era cruel... Deixava-me com fome por qualquer motivo... Eu vivia faminto e era forçado a trabalhar... Espancava-me sem razão... Estes sinais, Nhonhô, foram feitos pelo chicote dele... Bateu em minha mãe à minha vista... e por isso... 

—Porque não disseste às autoridades que “Pai Nastácio” e o “Totonho da Porteira” mataram os outros dois?...

—Eh! Eh! Eh! Nhonhô... Mas um escravo não deve entregar outro escravo para ser enforcado... Eles também sabiam que eu matara o outro e se calaram...Nós também possuímos nossa honra e nossa lei... Eles também sofriam, eram chicoteados...

—E o menino?...

— Não era um “menino”, Nhonhô, era um escravo, um “moleque”.

— Sim, e esse?

— Ninguém o matou... Caiu no riacho, que estava cheio, e afogou-se... Era muito traquinas...

— Disseram que tu o mataste, atirando-o ao rio para que se afogasse, porque não gostavas dele.

— Não, Senhor, não gostava dele... Mas não o matei... Bati-lhe algumas vezes...

Era mau e intrigante... Para receber comidas e doces intrigava os escravos com os capatazes...

— Então não o mataste?...

— Não, Senhor! Ninguém o matou.

— Caetano, confio em ti... — concluiu o lusitano. — Serei teu amigo. Se me servires fielmente, conforme desejo, durante os quatro ou cinco anos que pretendo demorar-me no Brasil, ao regressar a Portugal não te venderei a outro Senhor...

Dar-te-ei antes carta de alforria...

O negro beijou a mão a seu Senhor, sem nada responder.

(31) Perdoará o leitor a não tradução do linguajar enfadonho dos antigos escravos africanos.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo V

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes




Não chegara eu ainda ao meu destino, porém, e um encantador “acaso”, desses criados pelas afinidades pessoais, que se buscam naturalmente, para um espiritual consórcio de valores psíquicos, fez-me defrontar com duas gentis individualidades da falange enternecedora de Antônio de Pádua.

Perdoar-me-á o leitor, no entanto, a necessidade em que me vejo de materializar os acontecimentos decorridos no mundo espiritual e as expressões ali usadas. Escrevo para vós, terrenos, com um cérebro mediúnico. E para oferecer o ensinamento a contento de humanas compreensões não poderia a estas dirigir-me de outra forma.

— Íamos buscar-vos, doutor... Desejávamos aqui a vossa presença, diante da pobre enferma, cujo Espírito se encontra entre nós... — declararam-me gentilmente as duas formosas entidades. Deram-me confiantemente as mãozinhas, que se diriam delineadas em raios estelares, e seguimos para mais além... Bem depressa me defrontei com o espírito de Angelita, cujo corpo, no momento imerso em estado comatoso, que a anestesia aprofundava, permitia àquele a permanência lúcida em regiões do Invisível, propícias à sua recuperação geral.

Debulhada em prantos, a pobre jovem parecia inconsolável, ao passo que a seu lado entidades amigas confortavam-na, aconselhando-a paternalmente. Uma dentre todas, grave e protetora, dirigiu-se à minha modesta individualidade, benevolente e amável:

— Agradeço-vos, caro irmão — falou-me —, o eficiente trabalho adaptado ao corpo terreno de minha pupila Angelita... o que importa dizer que, tal como se encontra, estará ela apta ao testemunho indispensável às leis eternas, para o qual preferiu renascer.

Respondi escusando-me, aturdido ante as expressões amigas de um superior espiritual, emitindo votos mui sinceros para que a paciente se saísse a contento das provações encetadas.

Eu observara, porém, no aposento da doente, durante a operação, uma individualidade de aspecto singular, e me abandonara, então, a contemplá-la, chegando a descobrir sua identidade, mais ou menos, através de intuições seguras.

Tratava-se de forma perispiritual escura, sombria, de cabelos eriçados, traindo o complexo da “carapinha” do negro, cujas feições acusavam terror, apresentando, por vezes, esgares de dor, estremecendo convulsivamente, como desejando desvencilhar-se de algo que o torturasse. 

Postava-se, então, próximo a Angelita, como que a ela ligado por atilhos magnéticos que pouco a pouco se rompiam... Seu aspecto era o típico padrão dos escravos africanos vindos para o Brasil em tristes épocas do lamentável tráfego, e, quando encarnado, no pretérito, seria homem certamente assaz primitivo, acusando possibilidades assustadoras para a prática de abominações. Distinguindo minha preocupação ao recordar o fato, no momento, novamente se expressou a entidade protetora de Angelita:

—Observo a vossa estranheza, preclaro irmão, ante a imagem do acompanhante invisível da minha pupila, sobre a Terra, e não será para mim nenhum desdouro colocar-vos a par dos acontecimentos achegados a esse infeliz delinqüente e nossa pobre enferma.

Excusei-me novamente, declarando-me respeitador dos dramas alheios, que não deveria devassar, mas a entidade amiga prosseguiu:

—Honro-me no trabalho de vos dar a conhecer o drama de Angelita... Ao demais, não ignoro que apreciais as Belas-Letras, aprazendo-vos, mesmo, praticá-las desde longa data... Um dia, quem sabe?... quando vos aprouver, podereis contá lo aos vossos amigos terrenos, porquanto será lição expressiva para o leitor atento, ao passo que encerrará revelação interessante para o pesquisador dos destinos da alma humana, como da severidade e justiça das leis eternas...

Deteve-se um instante, em gracioso gesto meditativo, e continuou:

—Sim! O drama, cuja segunda parte acabamos de assistir, teve origem nos dias depressivos do Brasil-Colônia... Oh, meu irmão! Quase que de um modo geral, julgam os brasileiros que seus espíritos provêm de encarnações havidas em países europeus civilizados e aristocráticos tão somente, quando a verdade é que grande parte provém dos dias da colonização afro-portuguesa dali mesmo, do Brasil primitivo e infeliz de antanho...

Certamente que emigraram, para a Terra de Sarita Cruz, falanges de indianos, de gregos, de franceses, de espanhois, de orientais, que nesse país reencarnam na esperança de se furtarem aos velhos ambientes onde delinqüiram vezes seguidas e cujas paisagens aviventariam em suas consciências as acusações mórbidas do Passado, as quais nas próprias sutilezas mentais agiriam como intuições angustiosas... Todavia, será prudente não perder de vista que o Brasil, da sua descoberta à alvorada da abolição da escravatura africana, que em seu seio medrou profusamente, tripudiou sobre os deveres do cristão, escravizando em condições acerbas homens inofensivos e fáceis de se conduzirem para Deus, porque, na sua maioria, não eram mentalidades primitivas e sim reencarnações de povos ilustres, mas criminosos, que buscavam redenção sob a humilhação da cor negra, humilde e cativa, arrependidos e desejosos do progresso, e cujos sofrimentos e lágrimas ecoam ainda nas ondas do éter adjacente do país como estigma infamante, caindo então o seu desarmonioso efeito em ricochetes especiosos sobre os culpados de ontem, através do feito reencarnatorio...

—Assim é, meu excelente irmão... As leis eternas, estabelecidas pelo Senhor Supremo para a regência da Sua Criação, jamais serão impunemente desacatadas: as sociedades brasileiras de hoje sofrem consequências inevitáveis dos feitos ímpios anteriores à lei de 13 de Maio de 1888... Aliás, a sabedoria dos Evangelhos adverte, quando declara que a cada homem será concedido de acordo com os próprios atos praticados... —aquiesci eu, interessado já no palpitante assunto.

E o amigo então continuou, expondo-me o seguinte:

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo IV

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes


Pelas oito horas da manhã cessara o melindroso trabalho. Higienizara-se o quanto possível a enferma, que jazia prostrada ainda, em profundo desmaio, estirada em seu leito qual cadáver que deveria baixar à sepultura. Compreendi propício à sua recuperação fisiológica aquele prolongado delíquio, e não me afligi por seu estado nem procurei despertá-la. Aquele pobre espírito de recém-casada necessitaria, realmente, do reconforto moral-espiritual, pois que se tornava evidente que ingressava numa fase de testemunhos e expiações, e eu vira que as angelicais crianças do varão espiritual Antônio haviam-no arrebatado para o Espaço, certamente a fim de aconselhá-lo e infundir-lhe coragem e esperanças durante o torpor físico. 
Preferi, então, examinar as condições morais das criaturas que cercavam a minha pobre doente... e constatei que, no interior da casa, onde um como sudário de opressões pesava, Alípio, o jovem esposo, continuava sentado em sua cadeira de balanço, insone, os olhos vermelhos de chorar, o coração estorcido por um desalento esmagador. 
A seu lado, um grande cinzeiro, transbordante de pontas de cigarro inaproveitadas, atestava as horas de excitação que trituraram o seu sistema nervoso, completamente alterado no momento em que dele me aproximei, ao passo que em outras dependências a genitora de Angelita blasfemava por entre lágrimas e inconformações, acusando a Providência, em quem não cria, pelo insucesso da filha, enquanto maldizia do cirurgião, que a houvera maltratado tanto, e as irmãs da enferma e algumas vizinhas, prestativas, apavoradas e estarrecidas ante os acontecimentos, não atinavam com o que dizer, quedando-se todas em respeitoso silêncio.

Entrementes, na câmara de Angelita reinava consoladora paz espiritual. Vibrações harmoniosas dulcificavam o ambiente num como sussurrar enternecido de prece. Mas ninguém orava. Pelo menos julgava não orar a personalidade que de si despendia tão sedutoras irradiações... Sim, porque nem sempre uma prece é real somente quando se dirijam exortações a Deus ou a seus mensageiros, no intuito da oração. 
Uma leitura edificante, que retempere ou enobreça a mente, pensamentos altruísticos e beneficentes em favor do próximo ou de si mesmo poderão repercutir nos fluidos cósmicos, encaminhando-Se para os altos círculos do Bem, e daí carrear para o coração que assim procede, como para aqueles que lhe ficam ao pé, consideráveis estímulos para o melhor, tal como o faria a prece propriamente dita.
Sim! No aposento de Angelita ninguém orava! 
Era tão somente Sara, a jovem viúva, que, à cabeceira da amiga inanimada, abria diante de si um pequeno livro e percorria, atenta, as suas páginas, em leitura suave e restauradora. Curioso, procurei inteirar-me do conteúdo daquelas páginas que tão docemente protegia o quarto da doente. Tratava-se da “Imitação de Cristo”, livro então muito acatado pelos adeptos cultos da religião católica romana e em cujas lições sorviam, efetivamente, doces mananciais de consolação e esperanças, nas horas doridas do infortúnio, os corações sedentos de justiça, levados pela vontade de se predisporem ao Bem:

— “Com duas asas se levanta o homem acima das coisas terrenas: a simplicidade e a pureza. A simplicidade procura a Deus, a pureza o abraça e frui.”

— “A glória do homem virtuoso é o testemunho da boa consciência. Conserva pura a consciência, e sempre terás alegria. A boa consciência pode suportar muita coisa e permanecer alegre, até nas adversidades. A má consciência anda sempre medrosa e inquieta. Suave sossego gozarás, se de nada te acusa o coração.”

— “Chega-te a Jesus na vida e na morte, entrega-te à sua fidelidade, que só Ele te pode socorrer, quando todos te faltam...“

— “Para que buscas repouso, se nasceste para o trabalho? Dispõe-te mais à paciência que à consolação, mais para levar a cruz que para ter alegria...” (30)

Contemplei a enferma, que parecia ter expirado. Um anseio de compaixão fremiu em minhas sensibilidades anímicas, avaliando o calvário que aquela jovem mãe, cercada de corações descrentes, palmilharia pelas estradas dos grandes resgates terrenos, vendo-a, como vi, assinalada por um futuro obumbroso! 
Era esbelta e formosa, com a pele acetinada e alva como as pétalas de uma rosa branca, longos cabelos louros dourados, estendidos sobre as almofadas como sudário de ouro fúlgido, olhos castanhos recordando a cor da avelã madura, contando apenas dezenove anos de idade! Orei então, à beira daquele leito envolvido ainda nos linhos e nas fitas do enxoval do noivado, e me retirei depois, certo de que o Senhor das coisas e dos mundos proveria, com a sua paternal misericórdia, o prosseguimento da existência daquela que, então, se me afigurou à frente de graves consequências de um passado de infrações...

(30) “Imitação de Cristo”.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo III

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes


Pelo ano de 1910 seria difícil encontrar-se, numa localidade do interior do Brasil, uma Maternidade, um hospital que acolhesse gestantes na hora crítica do seu sucesso. Mesmo nas capitais dos Estados, e até no Distrito Federal, depararia o médico com as mais dificultosas circunstâncias para a solução dos casos em que se via por vezes envolvido, inclusive a tremenda falta de recursos para o bom êxito das suas atividades profissionais, mormente em se tratando de parturientes, quando seriam urgentes operações melindrosas, arriscadas e graves, para salvar duas vidas, em residências particulares completamente destituídas de ambientação hospitalar, e onde a falta de recursos, às vezes, se iniciava com a escassez de luz que o alumiasse no sagrado mister de operador, para concluir com o preconceito da ignorância, que apenas admitia “simpatias” e chás caseiros onde se fazia indispensável a ação enérgica do cirurgião.

Benditas sejam as mãos que levantam Hospitais e Maternidades para socorro a sofredores desta ou daquela condição social, porquanto a Dor e o Sofrimento nivelam posições sociais, reduzindo todos a pobres necessitados, a quem todo o amor e todas as atenções serão devidos.

Desde a ausência de um auxiliar experimentado, que lhe facilitasse o trabalho tormentoso, até a falta de conveniente esterilização dos instrumentos cirúrgicos necessários; desde a água fervente, indispensável sempre, até o mínimo acidente de momento, o médico de então, a sós com a própria responsabilidade, tudo teria de prover a tempo e a contento. Muitas vezes, tais fossem a pobreza e a ignorância do cliente e seus familiares, teria ele de despender quantias não pequenas para a aquisição do material de que se serviria, ao passo que ele mesmo, tateando na semi-obscuridade de aposentos alumiados a lamparinas de azeite ou de querosene, ou mesmo a velas, proveria, em trempes de fogões primitivos, até as águas necessárias aos seus serviços. E isso o médico faria de bom grado, sem queixas nem revoltas, para que diante de Deus não sentisse abrasar a consciência, maculada pelo descaso no sagrado cumprimento do dever junto a um doente que nele confiava quase tanto como no próprio Criador!

Hoje ainda, como Espírito, sou igualmente solicitado para atender doentes terrenos. E ao contemplar tão belos Hospitais, como a Terra agora os possui, confortáveis e tão iluminados à noite como o são à luz do Sol, e observando a aglomeração de servidores e auxiliares rodeando grandes turmas de médicos e cirurgiões especializados, recordo-me, comovido, dos sacrifícios de outrora e exclamo de mim para comigo: — “Incontestavelmente, ó meu Deus! a sociedade terrena muito avançou na senda do progresso dentro do século XX! 

Pena que, a par de tantos e tão admiráveis triunfos sociais, o homem não se conduza também um pouco mais temente a Deus e submisso às Suas leis, agradecido ante os favores que do Céu há recebido com a possibilidade de tais conquistas para o bem de todos!” — E, em pensamento, beijo as mãos daqueles generosos cooperadores do Bem e do Progresso, que, por abnegação ou interesse, se uniram em colaboração fecunda para erguerem Hospitais e Maternidades que socorram na oportunidade precisa! 

Arquejante, no auge dos padecimentos físicos para o sucesso da maternidade, Angelita, mal cloroformizada, devido à falta de socorros precisos, encontrava-se em perigo de morte.

Não que aquele parto fosse dos mais laboriosos e difíceis, caso anormal ou excepcional dentro da cirurgia ginecológica da época. Mas, a falta de um cirurgião, ou médico ginecologista, no momento preciso, para conjurar possíveis surpresas, causara a anormalidade e o desastre, os quais bem podiam ter sido evitados se desde o início da gestação uma assistência médica eficiente fosse mantida.

Há cinquenta anos, o preconceito individual, o pudor excessivo e mal interpretado, acompanhando a escassez de recursos e a inobservância higiênica do paciente, dificultariam igualmente a ação do clínico ou do cirurgião, cujos serviços, geralmente, apenas eram solicitados para uma parturiente à última hora, quando já se evidenciava o desastre, e quando já mais nada, ou quase nada, seria possível tentar para conjurar os graves acidentes sempre possíveis. 

Seria desdouro social para uma gestante, recém-casada ou não, o fato de se transportar do seio da família para um Hospital ou uma Maternidade, no caso de existir uma ou outra dessas instituições na localidade habitada. Preferiam-se, assim sendo, o concurso de curiosas, certamente experientes e hábeis para os casos normais e fáceis, mas absolutamente ineptas mesmo para reconhecerem o perigo e reclamarem o médico a tempo, nos casos graves. Daí, outrora, a calamitosa mortandade de parturientes, problema cujos reflexos atingiram as preocupações de Além-Túmulo, pois nem sempre existiria a expiação ou o resgate em casos tais, e que os rigores do Código Penal terreno removeram com a exigência de certificados de habilitações para as assistentes comuns do caso e que os Hospitais remediaram em grande parte, tratando de humanitárias internações e assistência constante às próprias gestantes.

O caso de Angelita, porém, era desses que, examinado de início, seria reconhecido como dos passíveis da intervenção denominada “cesariana”. Tratava-se de uma organização genital frágil, incapaz, a qual requereria de um médico atenções especiais para uma decisão não cercada de anormalidades.

Em chegando à câmara onde o drama cirúrgico se desenrolava, percebi, enternecido, que meu pobre colega terreno envidava todos os esforços para levar a bom termo o seu dever, desdobrando-se em habilidades para salvar a jovem mãe, já que não mais seria possível operá-la de molde a salvar também o nascituro, cuja morte intra-uterina se verificara com a aspereza da operação. A situação geral era desesperadora. A intervenção acerba, não mais podendo ser a “cesariana”, em vista da indecisão em se reclamar a presença do médico, somente fora realizável com o despedaçamento do entezinho, que houvera de sofrer trepanação e esmagamento do crânio, esquartejamento, etc., em impressionantes condições. 

Uma faixa luminosa, porém, cintilante quais raios de eflúvios celestes, incidia sobre a cena trágica, provinda do Alto. E vultos angelicais, não apenas integrantes da falange de Antônio de Pádua, mas obreiros comuns e permanentes da Beneficência, destacados para a cabeceira de enfermos, pois as leis da Criação provêem sabiamente as necessidades gerais do Universo, não esperando súplicas humanas para atendê-las, mas aceitando-as grata-mente, como veículos para o seu acréscimo de misericórdia, permaneciam ali vigilantes, dispostos a uma sagrada assistência.

Compreendi, não obstante, que ameaçava Angelita aniquiladora hemorragia interna, a que lhe não seria possível resistir fisicamente. Os obreiros invisíveis presentes haviam sustido a ameaça até ali. Contudo, medidas mais enérgicas seriam devidas ainda. E compreendi também, mau grado meu, que dos três longos dias de espera, na indecisão da procura de um médico para a intervenção urgente que se fizera necessária, resultara para a jovem mãe o despedaçamento de tecidos em órgãos internos mui melindrosos, tais como a “bexiga”, ou óvulo urinário, os canais renais, etc., enquanto que músculos e tendões, dolorosamente comprimidos durante a gestação penosa, a inércia do nascituro e a violência da operação, ameaçavam inutilizá-la para sempre! Intervim então, valendo-me dos recursos psíquicos aplicáveis no caso, servindo-me, na medicina astral, de fluidos e essências, raios, gazes e energias cuja aplicação nos tecidos orgânicos da criatura encarnada serão sempre passíveis de resultados excelentes. 

E conjurei, assim, o perigo da hemorragia, anulando a possibilidade de um desenlace que se deveria realizar, em verdade, muito mais tarde. Reanimei ainda os fluidos vitais, ou nervosos, da paciente, enxertei-lhe porções adequadas de “plasma” extraídas da boa vontade da fiel Sarita, que prosseguia em orações, e infiltrei-lhe valores magnéticos tonificantes do coração, do cérebro e da circulação venosa, com atuações ativantes do sistema nervoso, fazendo-os mansa e sutilmente penetrar pelos poros da enferma, qual se milhões de celestes agulhas portadoras da essência de Vida lhe pudessem ser introduzidas nos orifícios da pele a fim de atingirem os locais necessários.

O médico, ou o Espírito desencarnado, já cônscios de deveres e responsabilidades, se o desejarem, verão o corpo humano destituído até mesmo da sua armadura de carnes e músculos, contemplando de preferência as vísceras, a rede de nervos ou as artérias, a circulação do sangue, os ossos, tudo ou aquilo que seja mister examinar. Para ele, a pele que recobre o corpo humano não existirá, ou também será um rendilhado tênue qual o tecido denominado “filó”, e os poros então serão visíveis quais orifícios de um favo de mel. Daí a facilidade da minha intervenção psíquica, tonificando os órgãos da paciente com os produtos medicinais do laboratório do plano astral, enquanto o cirurgião terreno concluía a sua terrível tarefa, depondo em vasilhame caseiro os despojos sanguinolentos do infeliz produto que seria o primogênito do casal... se em todo esse drama acerbo não se distendessem os ecos expiatórios do efeito de remota causa existente no pretérito e ambos os esposos e também do nascituro...

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo II

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes

No início deste século, sendo eu já desencarnado e exercendo atividades médicas da Espiritualidade para as criaturas ainda encarnadas, fui encarregado de um serviço de assistência a uma paciente do sexo feminino, localizada em pitoresca e linda cidade do Estado do Rio de Janeiro, banhada pelas águas sempre agitadas e frescas do Oceano que fertiliza a terra benfazeja, esse Atlântico imponente e formoso. Encontrava-me então em certa reunião mui solene do Espaço, durante a qual se prestava culto ao Criador com os pensamentos conjugados em preces e os corações dilatados em haustos de vibrações amorosas, em busca de Suas bênçãos protetoras a prol dos nossos Espíritos necessitados de inspiração para o desdobramento dos serviços que nos estavam afetos. De súbito, porém, quando mais dúlcida era a minha elevação mental no enternecimento da oração, definiu-se em meu ser um estremecimento forte, como se vigoroso contacto elétrico comunicasse às minhas sutilezas de compreensão uma ordem provinda de superiores camadas hierárquicas, e um doce murmúrio, mavioso como o alento das almas santas em orações augustas ao Deus de Amor e de Bondade, sussurrou à minha mente muito atenta:

— “Na rua de S... Nº 3, na Cidade de XXX, no Estado do Rio de Janeiro, alguém se debate em desesperações para o momento sacrossanto da Maternidade. 

É uma pobre alma delinqüente de um passado de infrações graves, dentro do mesmo círculo de responsabilidades... a qual, agora arrependida, entra num grande e doloroso resgate para o apaziguamento da consciência ainda conturbada pelos ecos do Pretérito... Será necessário socorrê-la para que não sucumba antes da época prevista pela Lei, porquanto, sucumbir agora absolutamente não convirá aos seus interesses espirituais. Clama pela intervenção dos poderes celestes no melindroso momento, em brados de oração fervorosa, um coração singelo e obediente a Deus, sob os auspícios de Antônio de Pádua, servo de Jesus Nazareno, e que junto da enferma se encontra. Tu, Adolfo, és médico e és cristão. 

Necessitas do trabalho honroso do amor ao próximo para a edificação do teu Espírito à face de Deus! Vai, pois! Atende ao aflito chamamento. Socorre a pobre alma pecadora que se arrependeu e deseja ressurgir para o Dever. Vai! Antônio de Pádua velará por ti e por ela, em nome do Mestre Nazareno. E que o Criador vos envolva a todos na Sua paternal demência.”

Incontinente atendi, preferindo abandonar a meio a reunião de comunhão com o Alto para continuá-la após, ao lado daqueles que sofriam.

... E ingressei nas pesadas brumas da atmosfera terrena, desviando-me para as latitudes brasileiras, onde, de preferência, exerço ainda hoje as atividades psíquico terrenas. 
O chamamento, com efeito, fora dirigido a Antônio de Pádua, grande mentor espiritual e reencarnação de um devotado apóstolo do Divino Mestre, Espírito universal, portanto, venerado, direta ou indiretamente, como apóstolo de Jesus que foi, por toda a cristandade, como sendo um dos eleitos da chamada Corte Celeste. 

E, realmente, é, Antônio de Pádua, chefe de falange beneficente e amorosa da Espiritualidade, que se multiplica em ações caritativas e sábias por várias latitudes da Terra e do Invisível. Não pertenço, como não pertencia então, a essa doce falange que também integra crianças angelicais e lindas como os próprios lírios que carregam, lírios que, no Espaço, as tornam reconhecíveis como elementos, ou pupilas, de Antônio, Espíritos evoluídos que, no Além, sob formas perispirituais infantis, rodeiam o ilustre varão celeste, obedecendo-lhe às ordens no setor beneficente (29). 


Todavia, o setor de trabalho pertencia a Mentores aos quais era eu subordinado. A recomendação viera de Antônio de Pádua, Espírito universal... a ordem chegou a mim com a rapidez que poderá desenvolver um pensamento humano em preces tão angustiosas quanto fervorosas e a resposta do Céu, através de uma ordem vibratória ainda mais veloz.

Era madrugada. As brumas fortes do Oceano, cortejadas por um vento áspero do mês de Agosto, despejavam-se sobre a cidade, que se amortalhava toda de um longo sudário de cerração, enquanto o frio álgido e úmido da beira-mar fazia tiritar os míseros sem abrigo tépido e os pobres cães sem proteção, tão sofredores quanto aqueles. E um silêncio triste e constrangedor, como soem ser o dos locais onde se aglomeram almas penitentes para os doridos testemunhos da expiação, em desagravos à Lei ofendida no pretérito, estendia sobre o casario colonial a sombra das amarguras que se entrechocavam sob seus tetos.

Procurei a rua de S e encontrei-a facilmente, pressuroso... porque, da Espiritualidade, os fachos da caridosa vigilância de Antônio incidiam sobre meu pobre Espírito, aclarando-me os caminhos e as ações a realizar, réstias de luz argêntea quais faróis norteadores a serviço da causa sublime do Amor.

E corria o ano de 1910...

Ao ingressar no domicílio visado, reconheci tratar-se de habitação de jovens recém-casados. Móveis e adornos acusando modesto bom gosto da mulher, capricho e sutis delicadezas, como bordados finos, rendas mimosas e pinturas graciosas, que as mãos amorosas de uma esposa recente ali haviam distribuído para maior encantamento das horas consagradas ao doce enleio do lar. Mas também compreendi, pesaroso e emocionado, ó meu Deus! que a desventura assinalara aquele afável ninho conjugal, estabelecido, havia onze meses apenas, pelas esperanças de um varão e os meigos afetos de uma donzela, para que graves acontecimentos se desenrolassem em seus perímetros, exigindo de ambos testemunhos tão ásperos, provações e resgates tão pronunciados e comunicativos, que marcariam a vitória de uma redenção para ambos ou reincidência com agravantes, nos campos dos deslizes morais, para um e outro.

Na sala de visitas, onde flores vicejavam numa jarra de porcelana, sobre um piano de carvalho polido, um jovem de vinte e seis anos de idade, trazendo bem tratados bigodes, pretos e perfumados, como exigia o requinte da moda masculina de então, a tez muito branca e fina, cabeleira sedosa e negra, estatura elevada e majestosa, um belo tipo varonil, enfim, capaz de atrair atenções à primeira vista, sentava-se numa cadeira de balanço, tipo “austríaca”, e chorava, o rosto oculto entre as mãos, os braços apoiados sobre os joelhos, atitude indicadora de desânimo profundo. Numa câmara ao lado, encantadora mulher, acusando aproximadamente trinta e cinco primaveras, apresentou-se à minha vista, prostrada de joelhos, as mãos cruzadas em súplica, orando com fervor tão comunicativo e eficiente que por todos os recantos da habitação um suave balbucio de preces repercutia, predispondo o ambiente às inefáveis influências das esferas do Amor, para tanto valendo-se de vibrações harmoniosas conducentes a Deus. 

Era uma alma de crente, idealista e generosa, que soubera orientar a fé que adotara, cultuando a Divindade Suprema, para diretrizes mui meritórias dos planos da Espiritualidade. Chamava-se Sara. Mas os familiares e amigos mais íntimos tratavam-na por Sarita, modo gentil de lhe demonstrarem uma simpatia que ela soubera conquistar por entre amabilidades constantes.

Ao primeiro exame reconheci tratar-se de uma adepta da crença católica romana, pois, sobre a mesa, diante da qual se conservava ajoelhada, altar improvisado pela boa vontade que a assistia em qualquer emergência, uma imagem de Antônio de Pádua, tão usada pelos crentes do Catolicismo, se destacava. Mas, a par de tal particularidade, também nessa jovem crente entrevi a qualidade do cristão sincero, dado que uma coluna luminosa, serena, vertical, límpida, firme, argêntea e bela elevava-se do seu coração pelo ardor da prece, à procura da proteção do Alto.

Ora, essa coluna, traduzindo propriedades magnéticas poderosas, fora que provocara a atenção da Espiritualidade Superior e a respectiva ordem, por mim recebida, para urgentemente partir em socorro a uma parturiente em perigos extremos. Eu me encontrava, portanto, em presença de um formoso fenômeno de telepatia religiosa, no que ele possui de mais angelical e comovedor, pois que era uma mulher, uma jovem viúva, simples e modesta criatura terrena, que, fortalecida pela sua confiança de crente, atirava os próprios pensamentos pelas profundidades do Incognoscível, numa prece espontânea qual confidência amorosa, na súplica de uma assistência suprema dos Céus para um ser amado que sofria.

Atentei de boamente nas expressões da sua rogativa e ouvi que diziam assim os sussurros benfazejos que se entornavam pelo ambiente em cantilenas piedosas:

— Santo Antônio de Pádua, meu bom Senhor e Protetor: — Pelo amor do nosso Criador Supremo e sob os auspícios do Senhor Crucificado, eu vos suplico piedosa intervenção da vossa assistência para minha muito querida amiga Angelita, que neste momento se encontra em perigo de morte. Santo Antônio de Pádua, socorrei-a, pelo amor de Jesus! 

E como outrora levantastes do leito de morte tantos enfermos, reintegrando-os no gozo da boa saúde, levantai também a pobre Angelita, para que maior seja a glória de Deus Eterno na pessoa dela! Todavia, que se cumpram as determinações do Onipotente — ou das leis da Vida, sejam quais forem! O que fizerdes em Seu santo nome, meu coração aceitará respeitosamente, como sendo a única destinação que conviria a Angelita, que tanto sofre! 

De qualquer forma, eu estarei ao vosso dispor para auxiliá-la a se reerguer para Deus e para a Vida! Angelita descrê da vida imortal, descrê do próprio Deus, arrastando-se em ímpia desatenção para com os deveres do crente. Se ela sobreviver ao dia de hoje, porém, prometo-vos, Senhor, envidar todos os meus esforços, mesmo os meus sacrifícios, para reconciliá-la com as leis divinas...

Interessado e comovido ante o que entrevi, dirigi-me à câmara conjugal, onde a chamada Angelita deveria encontrar-se... e o que então presenciei teria me acabrunhado e estarrecido o coração, se os obreiros do Invisível não fossem previamente preparados contra os choques emocionais que o carreiro das suas  atividades, na Terra como no Além, poderá provocar.


(29) A magnanimidade do Espírito de Bezerra de Menezes deu-nos a visão dessas crianças citadas. Representam crianças pobres, trajadas humildemente, pés descalços, cabelos despenteados. Não obstante, rebrilham de claridades celestes e sobraçam lírios. Dão-se as mãos para caminharem, mui gentilmente, e um luzeiro rosa envolve-as, distendendo-se em torno. Não nos foi possível conter as lágrimas diante de tão sublime quadro espiritual.

(Nota da médium).


Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo I

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes

A Severidade da Lei

“Digo-vos, em verdade, que daí não saireis enquanto não houverdes pago o último ceitil. ”
(MATEUS, capítulo 5, versículos 25 e 26.)

Certa vez, durante uma reunião do mundo invisível, levada a efeito por brilhante Falange de instrutores espirituais afeitos a melindrosas tarefas de reeducação entre os homens terrenos, um dos eminentes delegados presentes (28), que apresentara extenso relatório acerca do aflitivo desajuste moral e social em que se debate a Mulher, na Terra, segredou-me em particular, após cumprida a missão de congressista e quando eu o felicitava pelo magnânimo empenho de bater-se pelo movimento de socorro espiritual à mulher, num congresso da Espiritualidade:

— Dizei aos vossos leitores terrenos, meu excelente irmão, vós que gostais de praticar literatura mediúnica, algo que desperte a Mulher para os superiores anelos do Espírito... conservei sempre, em meu coração, uma profunda estima, um profundo respeito e uma sincera compaixão por essa alma sacrificada na condição feminina, que palmilha sendas rodeadas de abismos sem se dignar neles reparar para evitar quedas irreparáveis... Eu quisera poder ajudar a Mulher a remover dos seus destinos os contratempos que a deprimem!

— Louvável o vosso intento, meu caro amigo... e impossível será a mim negar colaboração a tão enternecido alvitre. Na Doutrina do Consolador, efetivamente, encontrará a Mulher o estímulo que lhe há faltado para uma eficiente evolução moral, o amparo regenerador que a levará a vencer a si própria, dominando os arrastamentos das paixões primitivas, e glorificando-se, quer como companheira do homem, durante os aprendizados terrestres, quer como Espírito, essência divina!
Praza aos Céus, oh, sim, meu amigo, que, ingressando no seio dessa redentora Doutrina, possa a Mulher inspirar-se e reanimar-se definitivamente, saciando-se naquela Água Viva oferecida pelo Cristo à Samaritana, a fim de aplicar suas preciosas energias a serviço do Bem, para o advento da Luz na sociedade terrena...
— Respondi eu.
Em homenagem à Mulher, pois, e atendendo ao amorável convite daquele generoso amigo da Espiritualidade, ditarei aos meus leitores terrenos um episódio da vida real por mim observado em seus mínimos detalhes, onde dois vultos femininos se apresentam como padrões dignos de meditação.
De tudo quanto venho observando nestas últimas décadas da sociedade terrena, em torno dessa criatura gentil, cujo coração é generoso e amorável, mas discricionário; simples, mas ignorante; heroico, mas arbitrário; dedicado, mas inconsequente, uma cláusula preponderante se eleva entre todas: — será necessário que a Mulher pense mais no Ideal do que nas realidades mundanas; mais no Espírito que a anima e o qual há de marchar para a Luz, através de labores evolutivos sem limites, do que no sexo; mais em Deus do que no homem, que lhe tem arrebatado todas as mais formosas e dignificantes preocupações. 

Que ela saiba que possui valor próprio para vencer, sem necessidade de se escravizar ao sexo. Que compreenda que a Lei da Criação lhe conferiu capacidades elevadas para os mais formosos feitos do Espírito! E que, portanto, se liberte quanto antes do ignominioso servilismo que a mantém escravizada aos sentidos, estiolando suas preciosas faculdades à beira de influenciações bastardas, a serviço dos instintos masculinos, quando suas aspirações antes deverão obedecer às realizações do ideal divino! Que medite em que, antes de ser Mulher, já era entidade espiritual destinada ao triunfo da imortalidade, e que, por isso mesmo, persistem nela, como sempiterna origem, as essências de um Deus Criador, que assinalou a sua individualidade com as mais sublimes expressões da possibilidade! 

Que ela se detenha, pois, nas aspirações bastardas que o mundo gerou ao contato das paixões inferiores, e asseste essas mesmas poderosas capacidades para as aspirações superiores, únicas que lhe fornecerão o brilho das virtudes, sem o qual não logrará a reabilitação de que tanto carece a sua mesma reputação entre aqueles homens e Espíritos das camadas inferiores da Moral —que a perseguem com odiosos desrespeitos, valendo-se da manifesta indiferença dela por si mesma, para a impelirem a quedas de que, geralmente, só a asperidade dos séculos a libertará!

A presente história, prendendo-se igualmente ao tema desta obra — a obsessão ignorada, que assola a sociedade indiferente aos deveres da Moral —, não é uma ficção literária com intuitos de doutrinação em torno de caracteres femininos, em moldes aprazíveis de romance, mas sim o fruto de observações extraídas de minha clínica médica espiritual, as quais me ficaram arquivadas na mente como recordação inapagável, esperando eu ocasião propícia para difundi-las em ensinamentos aos corações de boa vontade. 
Despertemos, pois, as recordações adormecidas entre os refolhos mentais e passemos, uma a uma, as suas páginas à frente do paciente leitor...

(28)Léon Denis.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Ato de louvor

Pela bênção de trabalhar;
Pelo dom de servir;
Pela fé que nos guarda;
Pela crise que nos instrui;
Pelo erro que nos descobre;
Pela dor que nos corrige;
Pela esperança que nos alenta;
Pela coragem que nos fortalece;
Pela prova que nos define;
Pelo esforço de aceitar-nos;
Pelo anseio de elevação;
Pelo benefício do sofrimento;
Pelo apoio dos amigos;
Pela observação dos adversários;
Por todo o bem que nos envias;
Por tudo o que nos permites aprender;
E por todos os encargos que nos dás a cumprir...
Sê louvado, meu Deus!...
*
Inicia a jornada do serviço ao próximo, onde estiveres.
Age em favor de alguma criança sem proteção.
Estende, pelo menos, essa ou aquela migalha de apoio às mães desvalidas.
Sempre que se te faça possível, pede aos Céus te fortaleça com a paciência para que não se te dificulte o caminho para a frente.

Do Livro Paciência
Psicografia: Francisco Cândido Xavier
Ditado pelo Espirito de Emmanuel

Dramas da Obsessão - Conclusão-Terceira Parte-Capítulo III

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes



As vibrações disseminadas pelos ambientes de um Centro Espírita, pelos cuidados dos seus tutelares invisíveis; os fluidos úteis, necessários aos variados quão delicados trabalhos que ali se devem processar, desde a cura de enfermos até a conversão de entidades desencarnadas sofredoras e até mesmo a oratória inspirada pelos instrutores espirituais, são elementos essenciais, mesmo indispensáveis a certa série de exposições movidas pelos obreiros da Imortalidade a serviço da Terceira Revelação. 

Essas vibrações, esses fluidos especializados, muito sutis e sensíveis, hão-de conservar-se imaculados, portando, intactas, as virtudes que lhe são naturais e indispensáveis ao desenrolar dos trabalhos, porque, assim não sendo, se mesclarão de impurezas prejudiciais aos mesmos trabalhos, por anularem as suas profundas possibilidades. Daí porque a Espiritualidade esclarecida recomenda, aos adeptos da Grande Doutrina, o máximo respeito nas assembleias espíritas, onde jamais deverão penetrar a frivolidade e a inconsequência, a maledicência e a intriga, o mercantilismo e o mundanismo, o ruído e as atitudes menos graves, visto que estas são manifestações inferiores do caráter e da inconsequência humana, cujo magnetismo, para tais assembleias e, portanto, para a agremiação que tais coisas permite, atrairá bandos de entidades hostis e malfeitoras do invisível, que virão a influir nos trabalhos posteriores, a tal ponto que poderão adulterá-los ou impossibilitá-los, uma vez que tais ambientes se tornarão incompatíveis com a Espiritualidade iluminada e benfazeja. 

Um Centro Espírita onde as vibrações dos seus frequentadores, encarnados ou desencarnados, irradiem de mentes respeitosas, de corações fervorosos, de aspirações elevadas; onde a palavra emitida jamais se desloque para futilidades e depreciações; onde, em vez do gargalhar divertido, se pratique a prece; em vez do estrépito de aclamações e louvores indébitos se emitam forças telepáticas à procura de inspirações felizes; e ainda onde, em vez de cerimônias ou passatempos mundanos, cogite o adepto da comunhão mental com os seus mortos amados ou os seus guias espirituais, um Centro assim, fiel observador dos dispositivos recomendados de início pelos organizadores da filosofia espírita, será detentor da confiança da Espiritualidade esclarecida, a qual o elevará à dependência de organizações modelares do Espaço, realizando-se então, em seus recintos, sublimes empreendimentos, que honrarão os seus dirigentes dos dois planos da Vida. 

Somente esses, portanto, serão registados no Além-Túmulo como casas beneficentes, ou templos do Amor e da Fraternidade, abalizados para as melindrosas experiências espíritas, porque os demais, ou seja, aqueles que se desviam para normas ou práticas extravagantes ou inapropriadas, serão, no Espaço, considerados meros clubes onde se aglomeram aprendizes do Espiritismo em horas de lazer.

Ora, convinha à programação por mim estabelecida em torno do caso Leonel e os Judeus que estes últimos iniciassem no próprio ambiente do Centro já mencionado o seu aprendizado mais urgente, visto que muito prejudicados se encontravam eles, pelo acervo de quatro séculos de hostilidades, para que os removêssemos tão subitamente para o Espaço, a despeito das possibilidades que tínhamos de o fazer. Aliás, o seu embrutecimento vibratório, a exiguidade da sua visão espiritual, que não perceberia senão formas pesadas, se adaptariam melhor ao sistema físico-humano, enquanto que, no Além, nos seriam necessárias materializações mui penosas a fim de que nos fizéssemos devidamente compreendidos. O ambiente no núcleo espírita em que se desenrolava o feito em apreço prestava-se ao magno serviço. Não se ouvia repercutir ali, nas vibrações distendidas, o eco da maledicência e tampouco o do comentário. Não retinia o som do mundo. Não se retratavam em sua atmosfera nenhuma outra cena ou nenhuma sequência de palavreado que não fossem a proteção ao sofredor, o consolo a um desencarnado em confusões, a assistência paternal aos desvalidos da fé e da esperança. 

Resolvi, por isso mesmo, que meus pupilos do momento habitassem temporariamente aquele Centro, nos exemplos e ações de cujos trabalhadores, encarnados e desencarnados, se instruíssem quanto à verdadeira significação da Doutrina do Cristo, pois, até então, para eles, o Cristianismo seria perseguições e rapinagem, ódio e assassínio, sangue e corrupção!

— “Fala-nos do grande Rabboni, teu amigo, que concedeu asilo e proteção a nossa Ester, e que acolhe perseguidos e desgraçados como nós...” — solicitava o velho Timóteo ao meu assistente Roberto, passados que foram os transportes de satisfação pela visita de Ester.

— “Sim, falarei dele, meus caros amigos, ou alguém mais abalizado do que eu, porém, mais tarde... De início, apreciareis e deduzireis, vós mesmos, dos seus ensinamentos, através das ações de discípulos seus que, como homens que ainda são, dirigem e movimentam esta associação terrena em cuja sede vos encontrais hospedados... Ester e eu, embora não residindo aqui, permaneceremos às vossas ordens, vigilantes para vos atendermos em quaisquer esclarecimentos necessários... Mas creio será inútil, pois melhor analisareis o valor da Doutrina desse grande Mestre, observando o labor dos seus discípulos, que nela se orientam e disciplinam.”

E assim foi que, com efeito, durante seis meses habitando aquele Centro de fraternidade, o doutor Timóteo do século 16 e seus três filhos assistiram a curas de paralíticos e de obsidiados, realizadas em nome e pelo amor de Jesus-Cristo, o Nazareno, através daquele grupo de médiuns a quem nós, os do invisível, tínhamos o dever de acionar. Contemplaram e admiraram a dedicação abnegada, diária, de um serviço de assistência a enfermos do corpo e da alma, sem esmorecimentos, sem queixas nem reclamações, antes sob a irradiação da sã ternura do coração e da sublime alegria daquele que já vislumbra em si mesmo as alvoradas do reino de

Deus! Assistiram às doces tarefas da fraternidade se distenderem até ao invisível, no socorro a obsessores, a suicidas, a corações endurecidos no mal, como a desesperados e tristes que vagueiam pelos planos invisíveis sem forças para a emenda. Viram o órfão socorrido, o mendigo acalentado na sua miséria, o presidiário assistido no seu tugúrio, esclarecido na sua ignorância e esperançado no futuro redentor dentro das próprias lágrimas do opróbrio, o faminto saciado, o abandonado encaminhado ao trabalho honroso, a decaída retornando ao dever, o ignorante orientado ao caminho do aprendizado compensador. 

E tudo isso realizado sob o critério da Doutrina do grande Mestre do Cristianismo! Visitando, porém, a intimidade do lar de cada um daqueles médiuns que contribuíam para a melhoria da sua própria situação, constataram que suas vidas eram consagradas ao honesto cumprimento dos deveres sociais e profissionais, dedicadas ao bem e ao respeito do próximo, em qualquer setor! E ainda que, se sofriam, oravam e se resignavam, certos de melhor futuro; e, se eram ofendidos por inimigos gratuitos, poderiam sofrer e chorar em silêncio, mas sem blasfêmias nem revides vingadores, porque o perdão era tão fácil e espontâneo naqueles corações como o sorriso nas faces da criança... Nem uma palavra insultuosa ao próximo jamais ouviram, nem uma delação ou intriga, nem uma apropriação indébita, nem um perjúrio, nem a maledicência, nem o abuso e o vitupério! 

E tudo isso eles também analisaram e compreenderam que era a verdadeira educação fornecida por aquela Doutrina Cristã, que eles haviam conhecido falseada no século XVI, mas que agora se surpreendiam de vê-la praticada em Espírito e Verdade, em nome do grande “Rabboni”, seu fundador, cujo nome — descobriram através dos ensinamentos desses seus discípulos — era Jesus Nazareno! Sim! “Jesus-ben-Joseph” de Nazaré, mas nascido na Judeia, na cidade de David, exatamente o Messias anunciado pelos profetas de Israel... e como ele, Timóteo, e seus filhos, perseguido pelas hienas clericais até ao desespero do suplício e da morte forjada pelos interesses pecaminosos dos homens! 

Durante o espaço de tempo que ali passaram, assistiram, graves e quedos, acomodados entre a assembleia de ouvintes, como quaisquer encarnados, ao estudo e oratória espírita e evangélica. E nós, então, acionando a técnica do “Laboratório do Mundo Invisível”, criávamos para os seus entendimentos — valendo-nos do poder da nossa vontade — os panoramas expostos pelos oradores e explicadores, panoramas que eles passavam a ver como em cenas teatrais ou cinematográficas, pois que as vibrações dessa casa de comunhão com o Alto, por se conservarem imaculadas, facilitavam a delicadeza e a eficiência do melindroso, sublime trabalho. 

Um curso eficiente, pois, de legítimo Cristianismo e de Filosofia Espírita levaram a efeito os antigos hebreus através de tais processos, visitando ainda outras agremiações merecedoras da nossa confiança e observando outros tantos adeptos fiéis às recomendações do Consolador. Pela mesma época, outrossim, foram-lhes demonstrados em aprendizado, através de dolorosa, mas grandiosa exposição da retrospecção da memória (exame consciencial dos arquivos mentais), os antecedentes do drama terrível de Lisboa: — Aboab e filhos haviam existido em Jerusalém ao tempo dos primeiros cristãos como autoridades judaicas e romanas, exercendo então, sobre os inofensivos adeptos do Cristianismo nascente, atrocidades análogas às que tantos anos mais tarde vieram a experimentar, por sua vez, sob as garras da Inquisição de Portugal! 
Então, compreendendo claramente a lógica dos fatos, ou a lei de causa e efeito, humilharam-se, reconhecendo o erro em que incorriam havia séculos, e, desfeitos em lágrimas de sincero arrependimento, renderam-se à evidência da irresistível doutrina do Amor, do Perdão e da Fraternidade, que desde os dias longínquos do Calvário irradia redenção para a sucessão dos séculos. E constataram, assim, que aquela fé clerical que, sob os auspícios do “Santo Ofício” de sacrílega memória, se pretendeu impor pela crueldade da violência, longe estava de se assemelhar às blandiciosas lições daquele doce “Rabboni” que recomendava aos seus discípulos:

— “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. .

Quanto a Leonel, que desde quatro séculos vem espiando as tenebrosas consequências dos seus crimes de inquisidor-mor, presentemente, arrependido e lamentando o passado, encontra-se em vias de ressurgimentos gerais para a definitiva regeneração, disposto aos mais severos testemunhos exigidos pela consciência para a própria reabilitação. Seus trajetos pelas estradas do futuro, tais como os de sua filha Alcina (o antigo João-José, espião de Azambuja), serão ainda ásperos, visto que, ao demais, o suicídio por obsessão não os isentou de responsabilidades, pois se houve, efetivamente, sugestões externas impelindo-os ao feito macabro, estas, no entanto, lhes não tolheram a possibilidade de raciocinar para se defenderem, arredando-as, o que não fizeram porque, realmente, preferiam as paixões arrasadoras do mundo ao suave contato mental com o amor de Deus através da Prece, que lhes teria fornecido forças de resistência contra a tentação.

Prontos se encontram ambos, mas agora sinceramente, a estreitarem nos braços, definitivamente, aqueles pobres judeus que outrora lhes franquearam, confiantes, a intimidade do lar doméstico, esperando da sua honradez pessoal o mesmo respeito e consideração idêntica. E o farão — afirmaram ambos, em momento solene de certa reunião do mundo invisível, em presença de instrutores dedicados — por amor daquele Eterno Deus cujas leis protetoras lhes forneceram ensejos novos de resgate e reabilitação dos crimes passados.

Acrescentarei, finalmente, que o antigo Rabino Timóteo Aboab, já reencarnado nos dias atuais, receberá em seu futuro lar conjugal — como filhos de um consórcio legítimo — além dos seus mesmos três filhos de outrora, em novas experiências de reabilitação e progresso, também aquele pobre Leonel e sua filha Alcina, aos quais impeliu ao suicídio através de um constante, sistemático trabalho de obsessão simples ignorada. E assim sendo terá de arcar com as provações e as responsabilidades de pai carnal daqueles que renascerão envoltos no angustioso complexo oriundo do suicídio. E Joel, Saulo e Rubem serão, por isso mesmo, irmãos consanguíneos daquele que foi o terrível Azambuja de sinistra memória, como daquele ignóbil João-José, os quais, porém, se vêm redimindo lentamente, através dos penosos, mas eficientes serviços expiatórios concedidos pela lei divina da Reencarnação!

Assim é, meus caros amigos, que o conhecimento legítimo da Doutrina Espírita, como a boa e lúcida prática da mediunidade, resolvem problemas seculares, pois não esquecereis de que foi através da mediunidade bem orientada, à luz do Evangelho do Cristo e sob o rigor da Ciência Transcendental, que os Aboabs se encaminharam para a regeneração individual... e que a família de Leonel, igualmente convertida sob orientações espiritistas, obteve forças e ensejos para o único alvo que lhe caberia atingir a fim de lograr serenidade para progredir moral e espiritualmente, isto é — o amor e o respeito às soberanas leis de Deus.


terça-feira, 7 de julho de 2015

Dramas da Obsessão - Conclusão-Terceira Parte-Capítulo II

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes


De posse de tão preciosas informações, estabeleci o único programa lícito perante as leis da Fraternidade: — tentar a reeducação dos litigantes à base da cristianização das suas individualidades espirituais, muito embora estivesse certo de que o aprendizado que se seguiria apresentar-se-ia longo e espinhoso, através de uma ou mais reencarnações. 
Seria tarefa árdua para nós outros, que os deveríamos aconselhar e instruir, auxiliando-os no reajustamento indispensável, mas seria necessário, imprescindível que assim fosse, e tanto eu como meus dedicados companheiros de trabalho estávamos dispostos a tentar o certame, uma vez que outro não seria o nosso dever de cooperadores do Grande Mestre Nazareno. Aliás, cumpre ao obreiro tão somente a realização dos serviços confiados à sua competência, sem discutir se serão os mesmos penosos, difíceis ou de fácil execução. 
Na noite seguinte à nossa entrevista com a entidade espiritual orientadora das duas falanges em apreço, realizou-se a reunião dos médiuns de minha confiança, por mim solicitada, e eu e mais alguns obreiros ligados à agremiação terrena, patrocinadora do feito, levamos ao fenômeno da incorporação o antigo Rabino e seus filhos. Em verdade ser-nos-ia dispensável aquela reunião. Resolveríamos, sim, o lamentável drama espiritual, dispensando o concurso humano. 
Mas três fatores existiam, poderosos, que nos animavam ao feito: — ensinamento e aprendizado para os próprios homens, que urgentemente necessitam conhecer os grandes dramas da Humanidade distendidos para o Além-Túmulo; ensejo de progresso para os médiuns e cooperadores terrestres nos setores da Fraternidade, que assim se habilitariam à prática de inestimável feição da Beneficência, e mais facilidade para a conversão dos endurecidos Espíritos diante do fenômeno mediúnico-espírita, cujo aspecto impressionante é de grande importância para um desencarnado. Os debates com o 

Presidente da mesa eram vivos, eloquentes e acres por parte de Timóteo e de Joel, e menos resolutos por parte dos jovens Saulo e Rubem, que se diriam apenas o eco das ações do pai e do irmão, como que obsidiados os seus Espíritos pela ação constante de duas vontades mais poderosas; ponderados, profundos e não menos vivos e eloquentes por parte do Presidente, que trazia a seu favor, a par de outros fatores, quatro séculos de progressos gerais e ainda a lógica irrefragável e vigorosa fornecida pela Doutrina Espírita. E seria belo vê-los e ouvi-los! ... 

Confesso que sorri de sincero júbilo contemplando os meus disciplinados pupilos empenhados em tão formosa peleja transcendental, a benefício do próximo! E, o coração se me dilatando em fervoroso desejo da vitória do Amor, acionei intuições ao Presidente dos trabalhos, auxiliando-o quanto possível no generoso empreendimento. Ele e Timóteo dir-se-iam, então, o quadro vivo de duas épocas que se empenhavam em lutas: — para resistir ao tempo, uma, que era sombria e cheia de amarguras, recordando um pretérito de opressões, para implantar as luzes do conhecimento e da esperança, convidando a criatura à liberdade através da Verdade; a outra, que trazia o futuro por fanal sob as alegrias do Consolador! Ambos cultos, conhecedores do terreno filosófico que representavam, os seus discursos lembrariam a oratória das Academias gregas, onde os mais belos temas filosóficos eram levantados para debates que honrariam oradores e ouvintes. 

E duas horas de argumentações se escoaram, durante as quais a inusitada tragédia de Lisboa foi citada e revivida através do verbo queixoso e magoado dos antigos judeus, com toda a patética amargura da sua realização, esgotando os médiuns, que se viram obrigados a elevar do olvido uma época já desaparecida nas dobras do tempo e os seus problemas, sob injunções irresistíveis de um formoso, mas penoso fenômeno, tornado torturante pelo choque dos fluidos contundentes que seu ódio e suas dores emitiam! 
Mas, subitamente, surgiu Ester em plena reunião, tornando-se visível aos comunicantes e videntes. Ester, a virgem sacrificada que, depois de quatro séculos de ausência, retorna aos seus, mais formosa sob a estruturação espiritual do que jamais o fora na terrena, coroada de rosas agora, recordando as flores preferidas na mansão judaica, um jacto de luz azul a irradiar ondulações sublimes ao redor de toda a sua configuração espiritual, evocando a imagem das virgens que sucumbiram, não mais nos circos de Roma, para o suplício à frente dos leões, mas em novas arenas onde as feras seriam antes hienas humanas envoltas em sotainas e capuzes negros clericais, os homens do chamado “Santo Ofício”, de abominável memória! Tomadas de um deslumbramento que tocava as raias do pavor, as quatro individualidades endurecidas se detiveram nos enunciados de revolta. Quedaram-se respeitosas, concentradas na felicidade inapreciável de revê-la e de ouvi-la, pois, dizia-lhes, murmurando docemente, como numa cavatina angelical: — “Sim, meus amados de outrora, meus amados de hoje e de sempre! 
Eis-me novamente convosco, para nunca mais nos separarmos! Mas, para que tão grandiosa ventura se concretize, necessário será que eu vos recorde um sagrado dispositivo da lei da nossa raça... A lei suprema, fornecida por Javé, o Deus de Israel (27), ao maior profeta dos hebreus, nas sagradas escarpas do Sinai, estatui, como principal dever dos filhos de Abraão, este mandamento, que encerra todos os demais que os homens e os Espíritos deverão observar para serem agradáveis ao Criador: — 

“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com todas as tuas forças, com todo o teu entendimento, e o próximo como a ti mesmo”... — e não o ódio secular que vindes alimentando em vossas almas para desgraça vossa e impossibilidade de nossa própria felicidade... Se os vossos inimigos do passado faliram no cumprimento desse dever, deixando de observar o dispositivo supremo do Código Divino, e, assim, ofendendo-vos profundamente, também infringistes o mesmo sagrado dispositivo, odiando e revidando ofensas... Quatro séculos são passados, meus amados, desde a noite terrível de nossa prisão em Lisboa... Dom João III outrora cruel e desumano, encontra-se agora em franco ressurgir para a redenção do seu Espírito, através de operosidades generosas e heroicas em torno de povos e falanges sociais, pois, à frente da lei suprema, aquele que muito errou muito deve construir de aproveitável e excelente, para expungir, com o inverso do que praticou outrora, as sombras que lhe aviltam a consciência... 
E ele o tem feito através das reencarnações, pelas vias da abnegação e do sacrifício, inspirado num arrependimento construtivo! Depois de horas desesperadoras dos mais negros remorsos, em que também conheceu o amargor das lágrimas derramadas por aqueles a quem perseguiu através das leis que criou, sofreu ele próprio, com agravantes terríveis, o rigor das mesmas leis, em encarnação obscura e humilde, que posteriormente tomou em Portugal mesmo, nascendo em círculo familiar da própria raça que ele tanto perseguiu, para provar o desacerto das leis e instituições por ele próprio criadas! 
E durante todo esse tempo, enquanto o tirano arrependido do mal praticado tratava de se erguer para novos ciclos de progresso, vós, que éreis honestos e bons, mas não possuíeis boa vontade para perdoar e esquecer as ofensas recebidas, permanecestes estacionários no ódio, cristalizados na prática das vinganças, e tanto odiastes e tanto feristes, revidando ofensas... que auxiliastes o progresso e a emenda dos vossos próprios inimigos de outrora, os quais, hoje, já se encontram em melhores condições morais perante a lei suprema do que vós outros... pois o certo é que eles não mais odeiam a quem quer que seja e que um grande e sincero arrependimento, do passado mal, os predispõe a futuro honroso e reparador... 
É tempo, pois, de perdoar para serenar o coração e tratar de progredir... É tempo de amar a Deus nas pessoas dos vossos irmãos de Humanidade e não apenas aos compatriotas e correligionários da mesma fé religiosa... Vinde comigo... e eu vos exporei, em serões tão doces como aqueles de outrora, sob a amenidade das oliveiras do nosso solar querido, não mais as leis rigorosas de Israel, que nos eram relembradas pelos velhos códigos hebreus, mas as suaves leis do amor e da fraternidade estatuídas por aquele grande “Rabboni” que me agasalhou e enalteceu em vossa ausência.. Impressionados e temerosos, nada responderam, mas seguiram com ela. Exaustos, os meus médiuns não mais resistiriam. Despertei-os. Refeitas foram as suas energias por nós. Mas a reunião no mesmo Centro prolongou-se ainda, conquanto subordinada, agora, aos planos exclusivamente invisíveis. 

27) Javé (Jeová) — Espírito Superior protetor da raça hebraica, que concedeu ao médium psicógrafo Moisés, em nome de Deus, o Decálogo, ou Os Dez Mandamentos da Lei de Deus, fenômeno Idêntico aos que se processam hoje entre os médiuns espíritas. Outro Espírito, da mesma categoria espiritual de Javé, revelava-se também protetor dos hebreus — Eloim, citado com o primeiro, várias vezes, no Velho Testamento. Os antigos povos de Israel atribuíam tais manifestações ao próprio Deus. 

Oração a Maria de Nazaré

Maria mãe espiritual de toda humanidade, saudamos-te cheia de graça e pedimos a assistência para os abandonados. Força para o...